Em novembro de 2013, coloquei meus pés calejados e às vezes malcheirosos pela primeira vez em eventos de quadrinhos, coisa pela qual nunca me interessei (nunca quis conhecer os autores que admiro, sua obra me basta, e nunca há descontos decentes para quem quer comprar gibis). Só participei desta vez porque estive lá a trabalho, lançando e vendendo o El Fanzine #3, publicado em parceria com os amigos ABC, Pato Vargas e Tito Camello, com participação de Vagner Francisco (leia dois posts abaixo). Seguem abaixo meus breves palpites sobre os dois eventos em questão:
FIQ (Festival Internacional de Quadrinhos)
- O paraíso dos independentes: mais de 130 lançamentos, várias mesas e estandes dedicados apenas a publicações independentes, além de um público bastante interessado neste filão. Bem legal para conhecer outras pessoas que compartilham com você os mesmos problemas mentais.
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ABC, Tito Camello, eu e Pato Vargas |
- Há poucas editoras presentes. Não prestei muita atenção porque estive ocupado vendendo gibis, mas vi um estande da Nemo e nada mais. Vi lá o André Conti, editor de quadrinhos da Companhia das Letras, e o Lobo, que era editor da extinta Barba Negra, e só. Mesmo o pessoal do Maurício de Sousa, entre os quais o Sidney Gusman, apareceu lá para lançar as graphic novels e se mandou. Ainda há um desinteresse profundo das editoras pela produção nacional de HQs e acredito que isso não vai mudar.
Compreendo a necessidade de buscar o "tiro certo", o investimento com garantia de retorno, mas ainda há poucos profissionais da área interessados em fuçar a selva de títulos independentes em busca de alguma coisa com potencial. Os lançamentos formais se dividem entre os originais criados pelos grandes nomes do ramo e pelas adaptações oportunistas de clássicos da literatura, de olho na grana pública do Programa Nacional Biblioteca da Escola (PNBE) e do Programa de Ação Cultural (ProAC).
- Mesmo entre os independentes há uma forte predominância de temas ligados a terror, ficção científica e humor - sátira, mais especificamente. Nada contra. Qualquer tema pode ser bom. O que considero problemático é a importação modelo "camisa de força", sem a necessária aclimatação.
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Pato Vargas, Tito Camello, eu e ABC
no fim do "expediente" no FIQ |
Os temas e o visual de uma história precisam ser adaptados de alguma forma ao nosso passivo cultural, tornando as histórias menos pastiches literais dos originais gringos e mais uma versão genuinamente nacional do negócio. Não falo em colocar macacos e onças e índios e quilombos e terreiros no espaço, mas imaginar como nosso país, com seu fardo cultural e histórico, se encaixaria nesses cenários. Mesmo o visual dos personagens é geralmente nórdico ou anglo- saxão, o que é muito estranho para um mulatinho suburbano como eu.
Não me interessam histórias folclóricas, mas uma releitura destes gêneros com molho nacional seria mais interessante do que a imitação pura e simples - algo como o imaginado pelo Giorgio Galli, que usa as lendas brasileiras no lugar dos monstros clássicos do terror em sua série Salomão Ventura.
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George Perez, em uma convenção nos
EUA, reproduzindo sua famosa capa |
COMICMANIA
- Evento para fanboys Marvel/DC/Image, com Dynamite correndo por fora, com foco na venda de gibis e souvenirs. Super-heróis e personagens tradicionais das grandes editoras comerciais americanas são o forte deste evento, onde os independentes são bem vindos e muito bem recebidos pela organização, mas são uma reles curiosidade menor para o público. Talvez o problema seja mesmo minha cidade natal, o Rio de Janeiro, que enxerga quadrinhos como um aleijão nerd (odeio essa palavra) e nada mais. Talvez se tirássemos as praias...
- O Castelinho do Flamengo, onde acontece o evento, é lindo por fora mas estranho por dentro: é uma longa escadaria com algumas salas anexas, o que dificulta a circulação do público. A mesa dos independentes, onde estão o El Fanzine e os parceiros Leandro Reboredo (Sobrevivendo) e Guilherme de Sousa (Quer Dançar?) e onde esteve por um dia Giorgio Galli (Salomão Ventura), fica isolada no terceiro e último andar do Castelinho, na torre onde ficou presa a Rapunzel. Como nenhum de nós tem o apelo da Rapunzel e muito menos a cabeleira, fica difícil convencer alguém a subir até lá. Mesmo assim, temos vendido muito bem, o que nos faz gostar de verdade do evento. Ainda assim, caso minha sugestão valha alguma coisa, organização: mudem de lugar e de formato. Dêem mais espaço para os independentes, que são o sopro de vida em qualquer evento deste tipo (sem querer legislar em causa própria porém já legislando).
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É dura a vida de cosplayer pobre |
- Tirando esses problemas menores, é impressionante como a maioria absoluta das pessoas ligadas a quadrinhos é sinceramente gente boa. Tanto os brasileiros quanto os convidados estrangeiros destes dois eventos foram invariavelmente simpáticos e educados. O nível de gentileza ultrapassa a maioria dos demais ambientes que já frequentei em toda a minha vida, o que faz minha alma desconfiada às vezes suspeitar de que estão tentando me enganar, mas não estão. Eles são assim mesmo.