quinta-feira, 24 de maio de 2012

Quase um adeus

"Shedding off one more layer of skin"
Jokerman, Bob Dylan

É inútil lutar contra o inexorável, como a passagem do tempo e o vencimento das contas.  Embora não ensinem isto à maioria de nós, envelhecer - aliás, amadurecer - também é aprender a desistir das coisas. Mesmo as que, ao menos por algum tempo, nos pareceram ser o caminho mais natural e inevitável a seguir.
Com a idade, acumulamos problemas e responsabilidades, nosso tempo se torna cada vez mais escasso e as pequenas alegrias têm de ocupar intervalos cada vez mais curtos e mais raros. E chega ainda um tempo em que já não é mais possível dispor nem mesmo destes curtos intervalos para tarefas tão trabalhosas quanto ilustrar uma página, quando o custo de cada uma dessas pequenas vitórias passa a ser muito alto.

Admito que sou um tremendo bundão sentimental, e olhando para a caixa de postagem do blog enquanto escrevo sinto até saudades da empolgação de tentar, pela última vez, perseguir uma ambição, lançar um fanzine (o fiz pela primeira vez aos 33 anos! Vai ser retardado assim...), conhecer uma série de ilustradores que ignorava e descobrir, após mais de uma década sem ler uma única página de gibi, obras e autores muito bons no Brasil e no exterior.
O problema é que atingir o nível destes ilustradores e quadrinhistas para competir em pé de igualdade levaria um tempo e custaria um dinheiro dos quais não disponho. E já investi demais e perdi demais nisso. Ars longa, vita brevis.

Tudo isto é para explicar porque este blog, que já é atualizado de forma bissexta, deve ser ainda mais raramente atualizado, lentamente esquecido, até um dia exalar seu último suspiro em algum cantinho obscuro da Internet. Talvez um internauta vadio tropece em seu cadáver e lhe roube o relógio e os sapatos; quem sabe acenda uma vela ao lado do corpo, vai saber se ainda há dessas almas pias...
Sem arrependimentos e sem rancores, desejo boa sorte aos que persistem, e agradeço aos amigos que dividiram comigo esse breve sonho. Fizemos o que podíamos, vida que segue. Pelo menos nós tentamos.


(Deixo vocês com o “jogo da vida” do ilustrador freelancer, de Todd Klein, aí acima, e um aviso pra que não me levem tão a sério. Ainda devo postar algumas coisas que estou concluindo. Também é possível que eu tenha uma recaída e desenhe alguma coisa ou outra. Se tiver saco, posto aqui. Se não, vale o escrito. O resto é verdade.)

4 comentários:

DS disse...

Ah, meu amigo. É assim - quando der tu volta. Pode ser amanhã ou depois ou dentro de anos mas volta melhor ainda.

RoteiristaLeo disse...

Eu espero que você faça como eu: Chute o pau da barraca e deseje nunca mais fazer quadrinhos na vida. Até que, num belo dia, as coisas, miraculosamente, diminuem seu ritmo, sua loucura e o desejo, a paixão, o amor que continua latente por se expressar (Não ganhar dinheiro, não ficar famoso, mas apenas se expressar) ressurja ainda mais forte e você possa nos brindar com seu talento.

Esqueça essa história idiota de atingir o nível de outros artistas. Cada artista é inatingível desde que seja autêntico. É disso que vem a sua importância e o seu valor. E você é autêntico e seu trabalho é fantástico. Trabalho do qual eu sou fã incondicional.

Espero que num amanhã bastante breve, você possa voltar a desenhar e que eu possa ter o prazer de ter algum roteiro meu produzido por alguém tão talentoso como você.

Até (muito) breve, meu amigo.

Tito Camello disse...

Chorei como um ninja silencioso com essa sua despedida. Cai mais um bastião dos quadrinhos independentes.
Que consigamos, pelo menos, dar continuidade ao nosso plano secreto!

Nemo disse...

Obrigado aos amigos aí acima. E vocês tem razão, vai ser difícil largar isso definitivamente; provavelmente vou continuar fazendo alguma coisa ou outra, mas sempre em um ritmo muito lento, de forma cada vez mais esparsa, somente por diversão mesmo.